Drummond e o "Diário Reinventado"

Drummond e o "Diário Reinventado"
Essa foto registra homenagem deliciosa e delicada do prof. Luis Carlos Maciel ao meu pai, Eduardo Cisalpino. O livro que o prof. segura nas mãos e que parece "comentar" com o poeta, é o "Diário Reinventado, de Eduardo Cisalpino.. Obrigado à Magda pela foto.

Jack Kerouac

Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas

terça-feira, 25 de maio de 2010

ODISSÉIA DE UM HOMEM COMUM - EPISÓDIO 6

À SOMBRA DAS CHUTEIRAS IMORTAIS

Brasileiros somos, e, em época de copa do mundo, é quase inevitável refletirmos sobre o tema. Não sei se em função do clima que toma conta do país, não sei se por paixão mesmo, andei relendo alguns dos meus preciosos exemplares da coleção lançada há alguns anos pela Companhia das Letras, organizada por Ruy Castro, que reúne as crônicas de Nelson Rodrigues, publicadas em O Globo, entre a década de 50 e 70. Entre eles, estão as crônicas de futebol de Nelson Rodrigues, em dois volumes: À Sombra das Chuteiras Imortais e A Pátria de Chuteiras.
Não sei se os amigos que por acaso estão a ler este texto, já tiveram a oportunidade de ler Nelson Rodrigues, em qualquer de suas facetas. Não sei, especialmente, se algum de vocês já teve a oportunidade de ler as crônicas de futebol de Nelson Rodrigues. Caso não tenham lido, só tenho uma coisa a dizer: leiam.
Você, que torceu o nariz quando eu disse para ler crônicas de futebol, é quem deve, prioritariamente, lê-las. Em sua memória certamente afloraram tristezas monumentais relacionadas ao tema, como certos "comentaristas" que andam por aí, como certos "programas" de esportes que andam por aí. Mas, garanto-lhe que as crônicas de Nelson Rodrigues pertencem a um outro momento da história das crônicas esportivas no Brasil e, diria eu, no mundo. Considero como literatura de alta qualidade. Leio e releio essas crônicas - aliás, leio e releio Nelson Rodrigues. Pra mim, é um gênio da literatura. Ninguém sabe usar adjetivos ou criar personagens como Nelson Rodrigues.
Pois nesse ler e reler dos deliciosos textos de Nelson Rodrigues, fiz brotarem dos vãos da memória algumas lembranças pessoais relacionadas ao tema futebol, e, principalmente, relacionadas às copas do mundo.
Antes de mais nada é preciso dizer que as copas do mundo são, para nós brasileiros, como as canções do Roberto Carlos. Marcam nossas vidas. Todos nós temos vínculos afetivos importantes com as copas do mundo. Quanto se conversa sobre copa do mundo, é batata que alguém diga: onde você assistiu à Copa de 2006? Ou melhor: com quem você assistiu à copa de 2006. Dificilmente alguém se esquece de onde e com quem estava durante a copa do mundo. Claro que a coisa complica um pouco quando você coleciona um número razoavelmente significativo de copas do mundo. Acontecem de quatro em quatro anos, portanto, se você se lembra de cinco ou seis, já é um veterano, pra não dizer que está inequivocamente envelhecendo.
No ano em que nasci, o Brasil tornou-se campeão mundial de futebol pela primeira vez. Segundo Nelson Rodrigues, quando nos tornamos campeões mundiais, começamos a deixar pra trás o nosso complexo de cachorros vira-latas e passamos a olhar o mundo de cabeça erguida.
Pois vejam que nem essa copa do mundo, a de 1958, na Suécia, passou em branco na minha vida. Era eu um bebê campeão mundial.
Aos quatro anos, em 1962, me tornaria um legítimo e inquestionável bicampeão mundial. Nada mal para quem ainda molhava as calças...
Mas, de verdade, nada me lembro da copa do mundo de 1962. Nem a mais remota lembrança. Nem um único fiozinho de memória.
A partir daí é que o futebol começaria a nascer pra mim. A minha primeira e significativa memória futebolistica me remete aos Estádio Independência, em Belo Horizonte, assistindo a um jogo do Atlético Mineiro contra o Santos. Sou tão antigo que minhas memórias são anteriores ao Mineirão...
Mas o que fazia eu num jogo do Atlético? Explico. Meu pai é atleticano. Bem, no mundo do futebol, cedo a gente aprende a perdoar esses defeitos nas pessoas...
Não sei que idade tinha eu, mas, acredito que devia ter aí pela casa dos cinco, seis anos. Se consideramos isso como correto, estaríamos entre 1963, 64. Já éramos bicampeões, portanto. E o Santos que eu via, era o poderoso Santos de Pelé, Coutinho, Edu, Pepe e companhia.
As minhas lembranças desse jogo se resumem à multidão, aos vendedores ambulantes, ao calor e a uma briga generalizada dos jogadores em campo. Qualquer dia desses vou pesquisar esse jogo e confirmar se essa briga existiu mesmo ou se é fantasia da memória infantil.
Deduzimos que não foi nesse momento que o futebol nasceu pra mim. A briga foi mais marcante que o jogo... E com Pelé em campo!
As minhas primeiras memórias que incluem mais substância futebolística, me remetem às aulas de educação física no Santo Tomás, minha escola. Me lembro de conversas animadas com os colegas sobre como iríamos vencer, me lembro da emoção dos pequenos torneios que disputávamos. O futebol começava a ser futebol.
E a memória definitiva do nascimento do futebol, me encontra na rua Henrique Passini, entre Corinto e Canápolis, no bairro da Serra, em BH. Era ali, no meio da rua, de uma rua calçada com paralelepípedos, que o futebol tomou pra mim todas as suas cores e formas. As táticas, técnicas e as opiniões pessoais sobre o jogo e quem jogava já estão presentes.
Essas peladas aconteciam em frente à casa de um garota chamado Aloísio, cujo pai era conselheiro do Atlético Mineiro. Aloísio era o craque dessas peladas. Eu, me esforçava e acreditava muito em mim, mesmo que as opiniões dos colegas talvez não seguissem na mesma direção.
Minha certeza de que era um craque me leva à memória de uma ida com minha mãe a uma loja de material esportivo, no centro da cidade, para comprar uma camisa de verdade, para usar nas peladas. Não era de nenhum clube. Era uma camisa verde, com gola branca, para qual comprei inclusive um número: 9. Esse número, branco, maravilhoso, definitivo, marca, pra mim, o nascimento do futebol.
Com uma ansiedade absoluta, aguardei toda a eternidade que minha mãe demorou para costurar o número na camisa. E fui para a pelada, naquele dia, paramentado, ostentando meu número 9: eu era um centro-avante. Não me lembro de nenhum grande craque que me marcou nessa época. As peladas, por si só, foram marcantes. Nessa época descobri também que não era um craque.
Era sempre um dos últimos a ser escolhido: caso clássico da relação entre o perna-de-pau e as peladas de rua.
Entra em campo, nessa mesma época, minha primeira lembrança sobre as copas do mundo. Estamos em 1966, e a seleção brasileira foi à Inglaterra disputar a copa do mundo, em busca do tricampeonato. Um nome salta das sombras da memória: Tostão. Um garoto de Belo Horizonte, que havia começado nas divisões de base do América e agora iluminava o país e a cidade com seu talento. Ele e seus companheiros, como Dirceu Lopes e Natal. Nascia em mim a admiração pelos grandes craques, junto com a opção por um time de futebol: eu decidi que iria torcer pro Cruzeiro. O Cruzeiro de 66 era sinônimo de vitória e de talento. Ganhava até do Santos de Pelé. Meu primeiro grande jogo foi Cruzeiro e Santos, pela final do Taça Brasil, o equivalente, na época, ao campeonato brasileiro. Ganhamos. Seis a dois. No Santos de Pelé... Pai, me perdoa, não dava pra torcer pra outro time, nessa época, na minha idade!...