Drummond e o "Diário Reinventado"

Drummond e o "Diário Reinventado"
Essa foto registra homenagem deliciosa e delicada do prof. Luis Carlos Maciel ao meu pai, Eduardo Cisalpino. O livro que o prof. segura nas mãos e que parece "comentar" com o poeta, é o "Diário Reinventado, de Eduardo Cisalpino.. Obrigado à Magda pela foto.

Jack Kerouac

Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas

domingo, 30 de novembro de 2014

HAGIA SOPHIA: A SAGRADA SABEDORIA


HAGIA SOPHIA : QUE A SAGRADA SABEDORIA NOS PROTEJA

         A Mesquita Azul, era anteriormente conhecida como Catedral de Santa Sofia, que originalmente conhecida como Hagia Sophia, que em grego significa "Sagrada Sabedoria". 
O edifício foi construído entre 532 e 537, pelo Império Bizantino, também conhecido como Império Romano do Oriente.



            A história de Hagia Sophia (Ayasofya, no árabe), é marcada pela própria conjuntura de sua construção: uma civilização em transição. Separado de sua porção ocidental, que desmoronara diante das invasões germânicas que ocuparam Roma quase um século antes, o Império Bizantino era, nesse momento, um caldeirão de culturas: carregava as velhas tradições "pagãs" romanas, misturadas à cristianização crescente, especialmente a partir do século IV, quando Constantino estabeleceu o Édito de Milão, que possibilitou o culto legal e aberto do cristianismo, antes perseguido e restrito às catacumbas, aos subterrâneos do Império.
           O nome dado ao edifício, tempos depois da abertura proporcionada por Constantino, da oficialização do cristianismo como religião do Império e do fim da porção ocidental desse mesmo império, ainda reflete sua divisão cultural: construída para ser a catedral de Constantinopla, seu nome santificava a sabedoria, sutilmente, tanto ao passado romano quanto ao presente cristão.
         Entre 1204 e 1261, ela foi transformada em Catedral Católica, pelo Patriarcado Latino de Constantinopla, depois da invasão e do saque da cidade proporcionado pela Quarta cruzada.
       Em 1453, depois da tomada de Constantinopla pelos Turcos-Otomanos, episódio que põe fim ao  Império Bizantino ou Império Romano do Oriente e marca o início do domínio islâmico sobre a região, foi transformada em Mesquita.
       Finalmente, em 1935, o edifício foi secularizado: desde então, é um museu. Um museu que abriga tradições culturais diversas, que vão desde a religião mitológica dos romanos e dos gregos, passando pelo cristianismo - tanto católico quando grego-ortodoxo e finalmente chegando ao islamismo.
       Foi exatamente neste edifício, a Mesquita Azul, ou Catedral de Santa Sofia, ou Hagia Sophia, que o Papa Francisco, o líder católico, o líder de uma religião que congrega centenas e centenas de milhões de pessoas em todos os cantos do mundo, se encontrou com o Mufti de Istambul, o grande líder muçulmano da Turquia.
       Os dois líderes religiosos fizeram suas orações - ou "meditações" dentro do histórico e eclético edifício. O detalhe importante é que fizeram isso voltados para Meca, e com o Papa descalço, como manda a tradição islâmica.



        Não é a primeira vez que um líder cristão faz esse gesto. Anos atrás, o Papa Bento XVI fez a mesma coisa. Mas, neste momento, o gesto de Francisco e suas palavras, conclamando à tolerância e à união contra os radicalismos, de qualquer radicalismo, é extremamente importante.

       Grupos radicais ameaçam o mundo cristão e o mundo muçulmano. O Boko Haram, na África, o Estado Islâmico e o Levante, na Síria e no Iraque, assim como os mais antigos como o Hezbollah e o Hamas, respectivamente no Líbano e na Palestina, não são uma ameaça, hoje, apenas para os cristãos e os judeus. São uma ameaça também para todos os regimes instituídos no mundo islâmico. Somados às crescentes correntes ultraconservadoras no mundo ocidental, compõem uma quadro de radicalização que pode levar ao predomínio da insanidade e do fanatismo em todo o planeta.
       É sempre bom lembrar que a luta contra o radicalismo já levou algumas vidas, como a do Mahatma Gandhi, assassinado por um ultranacionalista hindu que acusava o grande líder de ser responsável pela divisão do país, pela separação do Paquistão da Índia. Separação que foi aceita pelos líderes do governo indiano na tentativa de por fim a uma sangrenta e infindável guerra civil entre Hindus e Muçulmanos na região.
       Custou, nos anos 80,  a vida também de Anuar Sadat, presidente egípcio assassinado por um radical muçulmano que acusava o presidente de ter "traído a causa árabe" ao aceitar o acordo com Israel que garantiu a devolução da Península do Sinai ao Egito em troca do reconhecimento da legitimidade do estado de Israel.
   Esse mesmo radicalismo levou ao assassinato de Ytzak Rabin, primeiro-ministro israelense, nos anos 90, por um ultranacionalista judeu, que o acusava de "trair a causa judaica" ao aceitar o acordo para a desocupação de Gaza e da Cisjordânia para a formação da Autoridade Nacional Palestina, embrião do Estado Palestino, cuja criação foi determinada pelas Nações Unidas em 1947.
     Hoje, assassinos travestidos de líderes políticos e religiosos, levam milhares de pessoas à morte na Palestina, em Israel, na Síria e em todo o Oriente Médio, principalmente. A cada dia, assistimos a decapitações, ao assassinato em massa de cristãos, à venda de mulheres e crianças como escravas por se recusarem a aceitar o deturpado e doentio islamismo pregado por esses radicais.
    Apesar de alguns tolos, que deixam seus princípios ideológicos e seus interesses políticos falarem mais alto do que o amor ao próximo, e propõem o "dialogo" com esses assassinos frios, os mais importantes líderes do mundo, tanto do mundo cristão, quanto judeu, quanto muçulmano, entenderam o perigo que a fermentação generalizada do radicalismo, do fanatismo, representa para a humanidade.
      Nesse sentido, venho congratular o Papa Francisco e o Mufti de Istambul, por essa iniciativa, como exemplo para os bilhões de muçulmanos e católicos de todo o mundo, os dois líderes procuram a inspiração para superar a ignorância e a violência - mãe e filha do radicalismo, no grande e histórico edifício da Sagrada Sabedoria.
         Hagia Sophia: que você prevaleça sobre a consciência humana.
    


quinta-feira, 20 de novembro de 2014

SOBRE CRIANÇAS E ATUNS

SOBRE CRIANÇAS E ATUNS



Certa vez, fui surpreendido por uma solicitação da escola em que meu filho estudava, em Belo Horizonte: eu deveria comparecer assim que possível para que a coordenação me fizesse ciente de problemas com o garoto por lá.
E fui. O problema é que ele tinha ido à escola sem a camiseta da escola, que era de uso obrigatório. E além disso, havia discutido com os funcionários da escola sobre o direito que ele tinha de assistir às aulas, mesmo estando sem o dito uniforme. E mais: se recusava a usar o mesmo.
O coordenador explicou a obrigatoriedade do uniforme e o objetivo dele. Entre outras coisas, disse que o objetivo do uniforme era para maior controle dos funcionários sobre quem entrava e saia da escola. E na rua, para identificá-los como estudantes e coisa e tal. Claro que não comentou que era também uma forma de propaganda da escola - propaganda paga pelos pais. E muito menos usou um velho argumento que eu já ouvira em outras plagas: o uniforme escolar evita que os alunos transformem a escola num “desfile de modas”. Evita que alunos menos abastados se sintam constrangidos pelas roupas “de marca”, dos colegas montados na grana.
Conversando com o garoto, perguntei porque não estava com o uniforme. Respondeu que estava com o uniforme na mochila. Estranhei. Perguntei, já bastante curioso: se está com ele aí por quê não usou? Resposta: “Não sou lata de atum”.
Ao ouvir aquilo, conclui que o garoto tinha me pegado, e que demandaria tempo e saliva convencê-lo a usar o tal uniforme.
Acontece que, por trás da frase “não sou lata de atum”, estão alguns princípios e ideias com as quais eu concordo.
Quando eu era “o garoto”, e depois “o adolescente”, tinha ouvido, na escola em que eu estudava, também em Belo Horizonte, o argumento de que o uniforme, de alguma forma, evita que se estabeleça uma “luta de classes” na escola. As diferenças socioeconômicas, da “vida lá fora”, não seriam trazidas para o ambiente escolar, onde todos seriam “iguais”...
Ora, isso é uma besteira gigantesca. É uma daquelas mentiras confortáveis, que as pessoas gostam de contar e acreditar.
Se as diferenças sociais não vinham pelas roupas, vinham pelo material escolar, vinham pelo carro ou ônibus que levava os alunos depois da aula. Vinha pela casa dos alunos, quando íamos fazer um trabalho ou quando era o aniversário de alguém. Ou simplesmente pelos assuntos, pelos temas de conversa, e principalmente, pelas “rodinhas”, pelos grupinhos que se formavam a partir dos sistemas de identificação que os próprios alunos construíam.
Meu pai sempre fez questão que estudássemos “nos melhores colégios”. Educação, pra ele, que também foi professor, sempre foi assunto prioritário. Com seis filhos, o esforço que a família fazia para manter todos nos “melhores colégios” também era muito grande.
Fiz o correspondente ao fundamental em um colégio particular de BH, e me orgulho muito disso: tanto pelo esforço de minha família em me oferecer o que considerava o melhor, quanto pelo colégio, que me ajudou a construir a base de toda a vida escolar.
Mas o colégio tinha muita gente rica. E claro que nós, os mais pobres, não frequentávamos as rodas dos mais ricos. Me lembro do aniversário de uma garota, colega de turma: ela convidou a todos, mas era da turminha dos pobres, e as meninas mais ricas boicotaram o aniversário dela.
Meu pai me levou até a casa dela, no dia do aniversário. Cheguei, educadamente, com o presentinho nas mãos. A garota estava sentada na porta da casa. Sozinha. Chorando. Eu fui o único colega de turma no aniversário dela. Único.
Eu tinha muitos colegas, mas poucos amigos. Os poucos, eram os “pobres”.
Em casa, meus pais nunca deram muita importância a isso. Nunca deram valor ou destaque às pessoas pelo que elas tinham, em termos materiais ou financeiros. Meu pai me apresentava às pessoas que respeitava mais ou menos assim: “Este é o professor Fulano, um dos maiores pesquisadores do país”... Ou assim: “Este é o Sicrano. É uma das pessoas de melhor caráter que eu conheço”. Assim também: “Este é Beltrano, Toca um berrante como ninguém”. Algumas vezes, o sujeito em questão era também rico, mas nunca foi um valor por si só.
Aprendi a dar valor às pessoas, ao que elas eram. E não ao que elas tinham. Inclusive a dar valor a quem ficava ou era rico por seu esforço e talento: nunca me senti roubado ou menor do que alguém que tinha ou tem dinheiro. Aprendi que talentos são vários e valiosos: do pescador inventivo, do vaqueiro dedicado, do motorista confiável, ao empresário brilhante.
Há poucos dias, uma mulher me pediu dinheiro na rua. Respondi: “não tenho nada no momento, minha senhora”. Uma pessoa ao meu lado, riu muito e disse debochado: “senhora”? Tive pena do pobre rapaz, que não compreendeu que o meu respeito é dirigido às pessoas, não a sua condição social.
Ainda hoje, é assim que eu olho para as pessoas: elas me impressionam pelo talento ou pelo caráter. Dinheiro é só a capa. E ninguém lê apenas capas: o que importa está nas páginas.
“Ah, mas não é assim que o mundo é”: ora, se o mundo como ele é merecesse tanto respeito, não haveria tanta gente querendo mudá-lo, não é?
Enfim, as pessoas e as instituições dirigidas pelas pessoas, tentam mascarar o mundo para as crianças, enquanto elas estão inseridas nele, vivem nele, e reproduzem nele sua própria humanidade. Crianças cobiçarão o lápis com borracha de Mickey do coleguinha. Crianças invejarão a popularidade de outras, ou o cabelo das outras, ou a bola bacana das outras. Adolescentes cobiçarão o boné, ou a mochila. Invejarão o namorado ou a namorada. Ou a falta de espinhas de alguém.
Crianças, adolescentes, adultos: são todos pessoas, são todos humanos e não há como preservá-los disso ou daquilo. A vida não respeita os muros da escola porque ela é a escola. A vida não poupa quem esteja de uniforme. Não poupa ninguém: estamos mergulhados no mesmo caldo. A biosfera é nosso aquário. Não há onde se esconder. A escola não vai proteger ninguém. O estado menos ainda. São ambos construções humanas: pessoas controlam as instituições. Pessoas controlam pessoas. Por isso, prefiro eu mesmo definir meus caminhos e ter claras, para mim, as minhas opções – é isso que me torna mais ou menos livre.
Há como se preparar. Há como esclarecer os valores e as ideias que fundamentam nossas opções diante da vida, Há como explicar aos filhos, aos amigos, a quem quer que seja, quais são os seus valores, no quê você acredita, e que abrir mão disso é abrir mão da sua vida, da vida que você pode escolher – é abrir mão da sua liberdade de ser quem quer ser. Somos o resultado de nossas escolhas e de nossos silêncios – que também são escolhas.
Realmente, e definitivamente, não somos atuns. Não há rótulo ou embalagem que nos contenha. Somos contidos apenas pelas redes que nós mesmos tecemos.

Somos um coletivo de singularidades. Nossa grandeza e nossa tragédia reside em nossas diferenças.