Drummond e o "Diário Reinventado"

Drummond e o "Diário Reinventado"
Essa foto registra homenagem deliciosa e delicada do prof. Luis Carlos Maciel ao meu pai, Eduardo Cisalpino. O livro que o prof. segura nas mãos e que parece "comentar" com o poeta, é o "Diário Reinventado, de Eduardo Cisalpino.. Obrigado à Magda pela foto.

Jack Kerouac

Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas

segunda-feira, 9 de junho de 2014

A COPA DA CIDADANIA FOI PERDIDA



A COPA DA CIDADANIA FOI PERDIDA

"Amigos, estamos atolados na mais brutal euforia. Ontem, quando rompia a primeira estrela da tarde, o Brasil era proclamado bicampeão do mundo. Foi um título que o escrete arrancou de suas rútilas entranhas. E, a partir da vitória, sumiram os imbecis, e repito: — não há mais idiotas nesta terra. Súbito o brasileiro, do pé-rapado ao grã-fino, do presidente ao contínuo, o brasileiro, dizia eu, assume uma dimensão inesperada e gigantesca. O bêbado tombado na sarjeta, com a cara enfiada no ralo, também é rei. Somos 75 milhões de reis"
Nelson Rodrigues - 1962


Quando eu era garoto, o Brasil tornou-se tricampeão mundial de futebol, no México. Me lembro ainda muito claramente de alguns lances dos vários jogos do Brasil, naquela Copa do Mundo. Lembro do drible de corpo de Pelé no goleiro uruguaio: o mais belo gol não feito que já vi. Me lembro do passe de Tostão, quase caído, para Pelé no meio da área e deste para Jairzinho fazer o único gol contra a Inglaterra. E, claro, nesse mesmo jogo, lembro da incrível defesa do goleiro inglês para a cabeçada de Pelé. Finalmente, lembro-me da explosão que este país viveu quando Carlos Alberto enfiou aquele último gol contra a Itália, praticamente garantindo o título.
A partir dali a gritaria foi geral, fogos pra todo lado e milhares e milhares de pessoas nas ruas. Inclusive eu.
Peguei o “trolebus”- um dos últimos que ainda operavam em Belo Horizonte, e desci a rua do Ouro até a Aimorés, e daí para a Afonso Pena: era um mar de gente.
Depois, vivi as decepções de 74, de 78... Tive grandes esperanças com o belo futebol das seleções de 82 e 86. Em 1990, se vivi mais uma tristeza, vivi também a diversão de torcer para a Alemanha contra a Argentina.
Voltamos a ser campeões em 94, com o sabor adicional de uma disputa de pênaltis. Passamos pela traumática Copa de 98 e novamente vibramos em 2002.
Em 2002 eu morava em Brasília, e me lembro dos aviões da FAB escoltando o avião da seleção passando baixinho sobre a minha casa, que ficava na rota do aeroporto internacional de Brasília.
Em 2006 e 2010, voltamos a tropeçar em momentos decisivos, como já havia acontecido, por exemplo, em 82 e 86.
Entre uma e outra dessas duas últimas Copas do Mundo, tivemos a notícia de que sediaríamos, outra vez, um campeontao mundial.
Não éramos mais o país de 1950. Já não tínhamos mais complexo de viralatas, como gostava de dizer Nelson Rodrigues. Afinal, estávamos, desde 62, “atolados na mais brutal euforia”, como disse o próprio em uma histórica e emocionante crônica. Bicampeões mundiais não tinham mais nada a provar aos europeus, ou a quem quer que seja, dentro de um campo de futebol. Que dirá, então, de pentacampeões.
Entretanto, mesmo em 2007, quando o projeto da Copa do Mundo no Brasil se confirmava, com total apoio do governo Luís Inácio Lula da Silva, tínhamos muito a provar a nós mesmos.
O governo adotou o discurso ufanista, novamente vinculando o futebol à política, prática comum, como se viu, tanto à ditadura militar quanto aos governos “de esquerda”. Lula bravateava o “Brasil Grande”, o “Nunca Antes na História deste país”, e tudo mais. O momento econômico era favorável, muito mais graças aos preços internacionais das comoditties do que propriamente por ações significativas do governo. Mas, boa parte dos brasileiros embarcou nessa ideia.
E não seria uma ideia de todo má. Era uma grande oportunidade para nós. Grande oportunidade para mudarmos ou melhorarmos muita coisa neste país. Grande oportunidade para os negócios, para a população que poderia contar com os benefícios das obras de mobilidade urbana e outras, atingindo de maneira importante a qualidade de vida de milhões de brasileiros; grande oportunidade para nos acostumarmos com planejamento, com objetivos claros, com metas.
A FIFA, mal ou bem, nos trazia uma contribuição que poderia ser muito relevante: aprendermos de vez a realizar o que projetamos, de enxergar as iniciativas em parceria do estado e das empresas, não só como negócios, mas como gerando riqueza e bem-estar para a população, como aconteceu em diversas oportunidades na Europa.
Mas, não foi o que se viu. Aplicamos à organização e montagem da Copa do Mundo tudo que temos de pior: corrupção, descaso com recursos, descompromisso, burocracia, e tudo mais que conhecemos tão bem... há séculos.
Hoje, vivemos esse momento estranho, essa alegria com gosto amargo, essa vergonha que aparece nas redes sociais, de sermos o país que ama o futebol, o país que é brilhante e empolgante dentro de campo; mas que também é decepcionante fora dele. Sermos o país do futebol não faz de nós um país melhor para vivermos nele.
Que fique a lição: os campos de futebol são e serão sempre de todos nós, brasileiros, que amamos este jogo. Nós brasileiros que, como amantes e praticantes desse jogo, temos e teremos sempre o direito de nos “atolarmos na mais brutal euforia”. Nós brasileiros que nos deslumbraremos novamente com esta bela arte, desta vez tão perto de nós.
Torceremos, sofreremos em cada lance, nos deslumbraremos com alguns dos melhores jogadores do mundo, aqui, em nossos gramados, na vizinhança. E quem sabe ergueremos novamente essa taça tão nossa conhecida... Tão conhecida que estará sempre em casa, por aqui.
Mas, sabemos, agora de forma muito evidente, muito mais concreta – sem trocadilho! - que ainda temos um país melhor para construirmos, para nós mesmos. E isso não virá do talento futebolístico: virá da cidadania efetiva. Essa, é uma Copa que ainda não vencemos.

Murilo Cisalpino


Junho de 2014