Drummond e o "Diário Reinventado"

Drummond e o "Diário Reinventado"
Essa foto registra homenagem deliciosa e delicada do prof. Luis Carlos Maciel ao meu pai, Eduardo Cisalpino. O livro que o prof. segura nas mãos e que parece "comentar" com o poeta, é o "Diário Reinventado, de Eduardo Cisalpino.. Obrigado à Magda pela foto.

Jack Kerouac

Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas

sexta-feira, 29 de abril de 2011

ODISSÉIA DE UM HOMEM COMUM - EPISÓDIO 11

SEGUINDO A PROCISSÃO, MAS NEM TANTO...

Mama, take this badge from me
I can't use it anymore
It's getting dark too dark to see
Feels like I'm knockin' on heaven's door
(Bob Dylan)


Moro a poucos metros de uma igreja. Como sinal dos tempos, eu acrescento: moro a poucos metros de uma igreja católica. Digo isso porque, quando criança, igreja e católica eram praticamente sinônimos. Dificilmente se via outro templo, outra igreja. Quando alguém dizia: “lá na minha igreja” era apenas uma questão de paróquia, não de religião.
Me lembro de apenas duas igrejas não católicas na minha infância: uma igreja anglicana e uma igreja metodista. Ambas em Belo Horizonte e ambas muito distantes, em termos culturais, para mim. Ser protestante era alguma coisa que pedia explicação. Evangélico era algo que não existia.
Se for puxar pela memória, então, o primeiro templo não cristão que conheci, acho que foi uma sinagoga, em Nova Iorque – ficava próxima ao hotel em que estávamos. A primeira mesquita que conheci foi em São Paulo, há uns vinte anos atrás.
Mas, não é nada disso que eu queria escrever. Pois então, retomo: moro a poucos metros de uma igreja católica, aqui em Timóteo. Simpática igreja, construída em forma de cruz, como a catedral de São Pedro, em Roma. Não a conheço por dentro, acredite se quiser. O que já nos dispensa dizer que não sou um bom católico, e muito menos uma pessoa religiosa – pelo menos não do jeito tradicional.
Tenho lá minhas pequenas e sagradas crenças, compondo um emaranhado de influências que vão do católico ao candomblé, passando por esquinas ainda mais exóticas, por estas terras, como a Cabala, o Sufi, o Zen-Budismo e outras mais misteriosas e imprecisas que é melhor nem comentar.
Novamente me desvio do tema desejado, portanto, volto ao ponto de partida: moro a poucos metros de uma simpática igreja católica, aqui em Timóteo.
Estamos na Páscoa e, como é comum nessa época, passou aqui pela frente de casa, uma procissão. Ou melhor, algumas procissões. A mais interessante delas foi a chamada Procissão do Senhor Morto: acontece na sexta-feira da paixão, no início da noite, à luz de velas.
Em casa, da pequena janela da sala, pude ver e ouvir a procissão passar, acompanhando os passos com seus cânticos, centenas de pontos de luz borboleteando na noite. Os sons, o ritmo, as velas: tudo aquilo me conduziu como um rio de luz pelo tempo, levando-me por outras procissões, vida adentro.
Quando garoto, em Barbacena, cidade natal de meu pai e onde passava preferencialmente as férias, convivi com esse universo. Era um verdadeiro teatro. As pessoas incorporavam seus papéis, representando as figuras importantes do cristianismo. As ruas da cidade eram preparadas ao longo de dias de muito trabalho, dedicação e arte: quilômetros de tapetes de serragem colorida e pétalas de rosa. Imagens eram lavadas e vestidas.
Os séquitos saiam de diferentes igrejas da cidade, reunindo centenas e centenas de pessoas, durante o dia e à noite.
Ano após anos, convive com elas. E o papel delas na minha vida foi mudando. Mas, nunca deixei de ter por elas um respeito silencioso, de quem procura, se não entender, pelo menos admirar o fenômeno da fé e seu efeito nas pessoas.
Menino, elas eram uma festa colorida e divertida. Adolescente, elas eram uma oportunidade muito boa para a paquera: em Barbacena, quase todo mundo se envolvia com as procissões, participando direta ou indiretamente. Era a oportunidade para ver e encontrar as meninas, com imensas possibilidades de fugir da atenção das famílias.
Adulto, elas eram um pequeno obstáculo a vencer para tomar uma cervejinha e jogar sinuca. Nas cidades pequenas e tradicionais de Minas, as procissões – especialmente da semana santa, são um episódio extremamente respeitado, são o auge da expressão de fé e devoção das pessoas. E os padres são pessoas temidas. Não se deve irritá-los ou afrontá-los, sob o risco de uma repreensão pública. Portanto, é preciso usar de criatividade e estratégia.
Certa vez, estávamos em Cordisburgo, passando uns dias na fazenda, durante a semana santa. E bateu aquela vontade de tomar umas e outras. Entramos no carro e fomos para a cidade, como se em Belo Horizonte estivéssemos e fossemos encontrar estabelecimentos comerciais abertos em um Sábado de Aleluia.
A cidade de Cordisburgo se resumia, nessa época, a três ou quatro ruas onde havia algum tipo de comércio. O mais eram ruas residenciais. Assim que chegamos, percebemos nosso erro de avaliação: tudo fechado. Como bons bebedores de cerveja, insistimos. Demos mais uma volta. E nada. Descemos do carro, sentamo-nos em um dos bancos da praça, para decidir o próximo passo: e agora? Claro que desistir ainda estava longe.
Fizemos um rápido levantamento das possibilidades: ir à outra cidade próxima, Paraopeba; ir ao posto de gasolina onde havia uma lanchonete que era também ponto de ônibus interestadual, às margens da BR 040.
De repente, percebemos uma movimentação curiosa: dois homens apontaram na rua e pararam diante da porta do bar, na esquina. Por uma fração de segundos, a porta se abriu, e eles foram engolidos pelo prédio, como se fosse um sapo de concreto e madeira devorando moscas.
Pensamos: eis aí o segredo do universo! Fomos até o bar. No caminho, pudemos ver a procissão que se aproximava- o motivo de estar tudo fechado. Aceleramos o passo. Batemos na porta do bar. A porta se entreabriu. Um homem, com olhar assustado disse: “Entra, entra, rápido, senão o padre vai ver”! Pulamos pra dentro e a porta se fechou atrás de nós.
O Bar estava lotado. Todo mundo tomando cerveja, ou uma pinguinha, e jogando sinuquinha, daquelas de ficha. Era o paraíso na Terra! E o paraíso estava completo: tira-gosto também estava rolando – frio, mas estava. É o que importa.
A procissão se aproximava. Um “olheiro” estava grudado em uma fresta da janela, atento aos fatos. Quando a procissão estava a alguns metros do bar, o dono bateu no balcão e ordenou: “todo mundo calado, nem um pio”! Ninguém falava, ninguém nem mesmo se mexia no bar. A cantoria foi se aproximando, lentamente. Em minutos, tomou conta do ambiente. Podíamos ouvir também o barulho dos passos das centenas de pessoas que seguiam a procissão. O silêncio e a imobilidade eram totais. Um homem olhava preocupado para o próprio copo de cerveja: parecia pensar que se a procissão demorasse muito a passar, a cerveja ia esquentar, mas ele não tinha coragem nem do breve gesto de levar o copo à boca.
Assim como veio, a cantoria foi se afastando. Até que o “olheiro” falou: “beleza, liberado”. E o bar inteiro, ao mesmo tempo, emergiu do silêncio. Copos tiniram, risos voaram soltos, tacos, bolas colidindo... mas a porta permaneceu fechada.
Na conversa com o pessoal, descobrimos que o maior medo de todos, era do padre descobrir. Disseram que ele criticava as pessoas, nominalmente, na missa, se a afronta aos costumes fosse grave. O que era considerado uma enorme vergonha.
O dono do bar saiu-se com essa pérola: “o mais difícil não é controlar a porta. O mais difícil é não deixar o cheiro dos tira-gostos “vazar” lá pra fora, porque aí o padre desconfia. Esquentar e fritar ou é muito antes ou depois da procissão. E ninguém reclama porque a coisa é séria”!
Voltamos pra fazenda no final da tarde, de barriga e cara cheias. Na época, a lei não era seca. Só a procissão. Para os que não sabiam abrir as portas do céu, claro...

domingo, 10 de abril de 2011

ODISSÉIA DE UM HOMEM COMUM - EPISÓDIO 10

BULLING: O NOVO QUERIDINHO DO BRASIL



Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Se eles são bonitos, sou Alain Delon
Se eles são famosos, sou Napoleão
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor
Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu
Se eles têm três carros, eu posso voar
Se eles rezam muito, eu já estou no céu
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor
Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu
Sim sou muito louco, não vou me curar
Já não sou o único que encontrou a paz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, eu sou feliz

(Arnaldo Baptista/Rita Lee)

Quando eu tinha lá meus 13, 14 anos, o bulling já existia, mas, não tinha nome estrangeiro e, talvez também por isso, pouca gente ligava pra ele. Afinal, é muito mais bacana falar sobre bulling do que sobre zoação. Imaginem um desses psicólogos de plantão, ou o Globo Repórter falando sobre o tema: “Zoação”... Imaginem o Sérgio Chapelein, seríssimo, falando: “Hoje, no Globo Repórter, você vai saber tudo sobre... Zoação... Nem pensar.
Quando eu tinha 13 ou 14 anos, a zoação era tanta que dava até pra formar um time. Meu time da escola, por exemplo, tinha essa formação: Feijão, Meleca, Mancada, Preto e Minhoca. Na reserva, tinha ainda o “Deixa que eu chuto” (um garoto que tinha uma perna mais curta que a outra), o Montanha e o Zóio (um garoto meio vesgo).
Esses eram os famosos, os populares, já que levaram a turma por dois ou três anos a ser campeã do colégio. Pelo menos três desses aí foram também da seleção mineira de futebol de salão. Outros, como eu, eram também os feras da natação, que dava muito ponto nas épocas de jogos internos. Portanto, os apelidos eram verdadeiros troféus, eram o próprio bafo da fama.
Se fosse contar os outros, da minha sala e da minha série, mais os outros de outras séries que eu conhecia, contabilizaria pelo menos setenta por cento do colégio. Muita gente não era conhecida pelo nome, mas, pelo apelido. O Meleca, por exemplo, ficava puto da vida e dava porrada em quem o chamasse pelo nome. A sacanagem era dizer pros incautos o nome dele e dizer que ele detestava que o chamassem de Meleca. O cara ia lá e tomava uns tapas ao chamar o Meleca pelo nome.
Meleca, hoje, é músico de sucesso no estado. Feijão é advogado de renome. Montanha é comerciante, dono de várias lojas. Mancada é professor universitário, acadêmico de renome... e vai por aí afora.
Tive um professor de biologia que não tinha uma das pernas, do joelho pra baixo. Certa vez, viajamos com ele, para Parati, no estado do Rio. Na praia, ele tirou a prótese pra nadar e nós aproveitamos pra roubá-la e correr. Ele correu atrás da gente, pulando numa perna só, como um saci. Rimos muito, nós e ele. E ficou nisso.
Graças a Deus, nesse tempo, ninguém era “politicamente correto” e a gente tinha espaço para ser gente, simplesmente. O simples, ingênuo, cristalino, dificilmente tem “intenções”. São as intenções que ferem.
Tem um outro apelido de que me lembro, acho que era amigo de um dos meus irmãos: o “Cês Quatro”... Tinha esse apelido porque era muito gordo. Certamente foi um dos apelidos mais criativos que conheci. Reza a lenda que ele sentou-se sobre um cachorrinho “Pincher”, num sofá, e matou o coitadinho.
Não tenho notícia de nenhum deles por aí, matando os outros ou se matando.
Poderia ficar por aqui mais alguns parágrafos relacionando apelidos de toda espécie, como na área alimentar: Lingüiça, Salsicha, Presuntinho, Torresmo, Mandioca, Batata, Queijinho, Ovo Frito, etc, etc. Ou poderia ir pros mais clássicos: Rolha de Poço, Quatro Olhos, Mobby Dick, Baleia, Pintor de Rodapé, Salva-Vidas de Aquário, Jóquei de Minhoca, Espanador da Lua, Mão de Vaca, Casas da Banha, Troco, Dumbo, Orelha de Abano, Pixaim, Negão, Tiziu, Carvão, Macarrão da Santa Casa, Alemão, Galego, Omo Branco Total.....
Até o disciplinário do colégio e o padre que tomava conta da cantina, tinham apelidos. Eram, respectivamente, o Geraldo Jararacá – com a variação também para Geraldo Bigodão, e o Padre Coqueiro – usava de maneira doloridamente habilidosa sua bengala contra a cabeça da gente na fila da cantina, quando alguém “furava” a fila.
Claro que muitos não gostavam dos apelidos. Claro que, esporadicamente, algumas confusões aconteciam. Mas, nunca tive notícia de ninguém matando ninguém por causa disso. Pessoas infelizes? Com certeza haviam. Gente marcada por isso, ao longo da vida? Com certeza. Mas, nunca vi reportagem sobre isso, nunca vi psicólogo na TV falando sobre isso, nunca tive palestra na escola sobre o tema. Nada, nada, nada.
Não estou aqui querendo dizer que isso é “normal” e muito menos inofensivo. Estou querendo, na verdade, discutir o outro lado dessa história. Ou, colocando de outra forma: o que fez dos apelidos e zoações uma coisa tão séria?
Acho que há ingredientes novos nessa história, que muita gente não está considerando. Acho que esses ingredientes novos são muito mais contundentes do que as zoações. Eles fazem das zoações alguma coisa de insuportável, transpondo em muito os efeitos disso na minha adolescência.
Descendo pela rua onde moro, colho algumas pistas do que quero dizer: de cima abaixo, as casas ostentam cercas elétricas, muros altos e alarmes. Gente se tranca lá dentro, protegendo-se da violência dos nossos dias. Da casa-fortaleza, vão ao clube restrito aos seus iguais. Do clube restrito, vão ao Shopping e não às lojas da cidade, porque o shopping tem os seguranças de plantão. Põem os filhos nas escolas cercadas de muros, câmeras e portaria rigorosa.
Quando penso que eu, filho da classe média, brincava na rua e jogava bola na favela perto de casa, nos morros do bairro da Serra, em Belo Horizonte, penso também que pouca gente acreditaria nisso.
Tinha amigos ricos e amigos paupérrimos. Tive amigos bandidos, dos dois lados da bandidagem: traficantes e políticos (desculpem, não resisti à piada...).
O que estou querendo dizer, afinal, é que as casas-fortalezas de hoje refletem o estado de nossas almas, de nossos corações. Tudo é uma grande ameaça. Tudo pode nos matar, até os apelidos, até as zoações. E estamos ensinando isso aos nossos filhos. Ou não estamos mais sendo capazes de ensinar aos nossos filhos que isso não mete medo em ninguém, que isso é pequeno e não ameaça. Temos armas pra isso, temos imunidade contra isso, se quisermos.
Falamos, orgulhosos, sobre os preconceitos que superamos, sobre as desigualdades que diminuímos, mas, o fato é que construímos uma sociedade muito, mas, muito mais intolerante e cruel do que décadas atrás.
Se hoje há mais espaço para negros, índios, mulheres, homossexuais, etc, etc, há muito menos espaço para as pessoas, para as pessoas como elas são – não como querem que sejamos.
O que nos cerca parece ser um mundo da perfeição. Um mundo de gente bonita, magra, “bem sucedida”. E ninguém suporta o contrário. Adolescentes andam por aí fazendo operação de redução de estômago aos 14 anos – certamente com o consentimento dos pais que também não suportam ter um filho “com defeito” e dizem que estão procurando a “felicidade” deles. Que felicidade espera uma pessoa que aprendeu que a felicidade são os outros? Meninas andam por aí morrendo de inanição por causa disso.
Existe um negócio chamado “moda infantil”. Quando eu era criança, moda infantil era a roupa velha dos irmãos mais velhos ou qualquer bosta de pano que a gente pudesse colocar sobre o corpo o mais rápido possível pra ir brincar logo na rua.
Roupa certa, cabelo certo, orelha certa, dentes certos, sapato certo, barriga certa, mochila certa, lápis certo, celular certo, carro certo, nariz certo, colégio certo, amigos certos, emprego certo... É coisa certa demais pra quem é tão errado como nós.
Outro dia vi um cidadão falando na TV que era preciso que todo mundo se depilasse, por uma questão de higiene.... A humanidade sobreviveu com pelos por milênios, mas agora quem tem pelos é um porco. É o meu caso. Sou um porco cabeludo e não pretendo me depilar pra atender à vontade dos outros. Prefiro fuçar na minha laminha, tão cara e conhecida, a comprar como paraíso o chiqueiro dos outros. A minha felicidade não pertence nem a ele nem aos meus pelos. Pertence à minha alma. E ela não se incomoda nem um pouco com os “defeitos” externos dos outros. Ela quer ver quem eles são, não o que eles são.
Não importa ser um cretino, mal caráter, sacana, vendido, superficial, cruel... desde que você seja o ideal de uma sociedade irreal.
Muitos não suportam essa corrida louca pra lugar nenhum. E se matam. E matam. Por algo que só existe nos comerciais. Há quem acredite que esse mundo de photoshop existe de fato.
Acho que há um imenso despreparo das pessoas, de um modo geral. Quanto mais opções temos, menos opções fazemos. Quanto mais podemos, mais deixamos que nos digam o que fazer, o que pensar, e quem devemos ser, na aparência. Vivemos um mundo de vitrine de loja no qual somos os manequins.
Por vezes penso que uma entidade controladora usurpou nosso direito à humanidade, nosso direito a sermos nós mesmos e nos impôs uma cartilha de “como ser” que nós perseguimos, mesmo sabendo que é inútil, porque nós não somos perfeitos e sempre existiram os outros a nos lembrar disso. Sempre haverá alguém mais “perfeito”, mais “certo” que nós.
Conheci uma garota de 14 anos, magérrima, que chorava diante do espelho por causa de uma barriga que só ela via. Chorava e dizia: porque eu não sou magrinha como a “fulana” ? Essa nossa sina?
Tudo, hoje, quanto aos valores, é relativizado. Mas, quanto à aparência, não há concessões. Por isso, uma zoação toma essa dimensão sobre-humana. Porque vivemos um mundo de plástico, um mundo para-humano, onde a felicidade pertence cada vez mais aos outros e cada vez menos a nós mesmos.
Considerando que a busca pela felicidade é natural em nós, é parte de sermos humanos, extirpá-la de nós e deixá-la nas mãos dos outros – outros que são nosso inferno, é cruel demais... cada vez menos pessoas sobrevivem e sobreviverão a isso.
Bulling é muito menor que isso. Mas, ninguém quer ver. Implicaria em rever todas as nossas prioridades, rever todos os nossos objetivos, toda essa indústria do plástico e da plástica.
Eu, por meu lado, aprendi a me amar tanto e a conhecer tanto a pequenez de nós todos, que não me iludo com isso e insisto em considerar que a minha felicidade é o que EU quero pra mim, e não o que me dizem pra querer.
Ser feliz é tudo que queremos. E a sociedade está tentando nos convencer de que há uma fórmula para isso. É uma cruel mentira. Mentira que nós mesmos inventamos pra nós. E somos nossas próprias vítimas.