Drummond e o "Diário Reinventado"

Drummond e o "Diário Reinventado"
Essa foto registra homenagem deliciosa e delicada do prof. Luis Carlos Maciel ao meu pai, Eduardo Cisalpino. O livro que o prof. segura nas mãos e que parece "comentar" com o poeta, é o "Diário Reinventado, de Eduardo Cisalpino.. Obrigado à Magda pela foto.

Jack Kerouac

Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas

domingo, 17 de janeiro de 2010

ODISSÉIA DE UM HOMEM COMUM - EPISÓDIO 4

DAS REVOLUÇÕES


Resisto muito em falar sobre política. Pelo menos sobre o formato tradicional de política, ou seja: partidos, ideologias, e que tais. Não acho muito produtivo isso, pra dizer o mínimo. Acho que, em geral, "política é o fim", como diria Caetano Veloso.
Porém, como o próprio Caetano em sua prática, acredito que todos os nossos gestos, que incluam os outros, são, necessariamente, políticos. Escrever aqui, é política. Falar aos meus alunos sobre as minhas reflexões sobre o mundo, é política. Portanto, a política e a cidadania, pra mim, são filhas de uma mesma mãe, ou, por outra, são a mesma pessoa.
Meu desapego pela política tradicional, partidária, vem do fato de não ver nela, como muitos veem, alguma coisa de transformadora, não reconheço as ideologias, pelo menos as que conheço - ou como conheço, como algo que efetivamente contribua para o crescimento da humanidade.
As ideologias, os sistemas políticos, as estruturas que estão, que estiveram, ou que almejam o poder, pra mim, desejam apenas isso: o poder. Não "o bem e o progresso da humanidade", como propagandeiam.
Sou historiador, por formação, e conheço bem o apreço que a história tem pelo conceito de revolução. Para os historiadores, revolução só pode existir a partir do momento em que ocorra uma transformação estrutural da sociedade, e não somente uma mudança no governo.
Pois é a partir daí que eu gostaria de discutir um pouco de política, ou da concepção que tenho de política.
Outro dia, estava ouvindo um debate sobre política, e, me aparece um cidadão, que se auto-entitulava, "de esquerda": confesso que, geralmente, quando escuto isso, já me preparo para uma enxurrada de baboseiras decoradas com toneladas de burrice e encimadas, como uma cereja de bolo, por raciocínios simplórios. Se isso me classifica como "de direita", vá lá: não me incomodo com rótulos ou com o que é politicamente correto. Em tempo: acho os politicamente corretos um bando de fascistas. Para manutenção da minha autonomia como pensador e cidadão - mesmo que considerem o livre exercício do pensar como alguma coisa "pequeno-burguesa" , apresento frase de São Tomás de Aquino: "O que pensam de mim, não é da minha conta".
Voltando ao assunto. Nosso amigo, "de esquerda", dizia, literalmente, o seguinte: a direita acusa a esquerda de ser violenta, de pregar a violência, na medida em que prega a tomada do poder pelos proletários e toda aquela chorumela marxista que até meu cachorro conhece. (Ah, os furúnculos de Marx! Até hoje inflamando (não resisti ao trocadilho, desculpem!) a humanidade).
Porém, dizia, ele, a esquerda não pode negar a violência, ela é parte do processo. Se as revoluções levam necessariamente à violência, a permanência também, ou seja, conservar um determinado "status quo" exige também o uso da força.
Donde se conclui que, a violência é legítima e pode ser usada, sem vergonhas, pela esquerda, já que ela é inerente à própria organização política da sociedade.
Estendendo esse mesmo raciocício, imaginamos que, uma vez no poder, a esquerda passa a usar da violência para se manter no poder, o que é plenamente justificável.
Então, sem querer cair nas garras do sofisma, podemos também dizer que, uma vez no poder, a esquerda age como uma força conservadora. Estendendo mais ainda o raciocínio: podemos concluir, por essa linha que, qualquer que seja a ideologia no poder, ela é, necessariamente conservadora, e vai usar da violência para conter qualquer força política que ameace esse poder.
Toda luta política, ao longo da história, seria nada mais do que uma luta entre os que pretendem conservar o poder e aqueles que querem o poder para, a partir daí, conservá-lo.
Podemos ver sob essa ótica, por exemplo, a Convenção Nacional, durante a Revolução Francesa. O jornalista Marrat, um dos ícones da Convenção, publicou uma oração, que se tornou muito popular na França da época, na qual ele chamava a guilhotina de "Santa Guilhotina", por suprimir os contra-revolucionários, os "inimigos da Revolução". Era, portanto, a guilhotina, um instrumento usado para a conservação do poder. Pouco tempo depois, a mesma guilhotina era usada pela Gironda para eliminar os jacobinos, durante o Diretório. Mais alguns anos, e a Santa Aliança perseguiria os liberais por toda a Europa. Contra o "Terror" jacobino, o "Terror Branco" da Santa Aliança. Seja branco, vermelho ou cor-de-rosa, sempre o terror contra o terror- tudo, claro, em nome do "progresso da humanidade".
Podemos ver sob essa ótica a polícia política da União Soviética, os campos de concentração na Sibéria, do período Stalin. Ou o "paredón" castrista. Ou as prisões do Estado Novo, ou os "Porões da Ditadura" militar, ou a "Luta Armada", no Brasil.
Chegamos, então, aonde eu queria chegar, e retomo o início desta crônica: não gosto de política. E aí está o porque.
Acredito que a luta política tradicional de fato não considera a humanidade. Nós, cidadãos submetidos aos ímpetos revolucionários somos senão os instrumentos de acesso ao poder. A partir daí, somos somente, os que seguem a revolução ou os que vão se opor a ela, os que vão usufruir do poder ou os que serão perseguidos por ele. Somente o poder vence as lutas políticas e por ele elas acontecem.
Na minha opinião, nenhuma das ideologias que eu conheço propõe o "bem da humanidade" ou tem, efetivamente, um compromisso com a humanidade. O compromisso é com o poder. O objetivo é o poder, sob a alegação de que somente assim se pode mudar as relações dentro da sociedade, tornando-as mais justas - o que não é verdade, já que haverão, sempre, os excluídos.
Diante disso, acho que a verdadeira revolução, que levará a melhorias significativas nas relações sociais, nas relações humanas, nas condições de vida de toda e qualquer criatura humana, passa além da política e remete a uma política dos valores humanos.
Passa pela compreensão de que nenhuma criatura humana é igual à outra, e de que a proposta de uma sociedade igualitária, não é a proposta de uma sociedade onde todos sejam iguais, mas onde todos possam exercer, com dignidade, as suas diferenças.
Uma sociedade onde o poder esteja a serviço de cada um de nós, não a seu próprio serviço, não a serviço de quem dele usufrui, mas de quem o constituiu, para quem e a partir de quem ele se justifica.
O poder que oprime, seja quem for, em nome do que for, não se justifica, já que o poder existe para a sociedade e não o contrário. As leis, braço essencial do poder, deveriam ser as leis que preservam as diferenças, protegem os indivíduos na sua individualidade, salvando-os da tirania da maioria e do poder.
E, por favor, não venham me dizer que estou defendendo o "liberou geral", uma sociedade sem leis e sem normas, onde tudo é permitido. Claro que não. Proponho uma sociedade onde nenhuma forma de ameaça ao indivíduo exista. O único coletivo que existe é o indivíduo, o indivíduo pleno, capaz de compreender-se no outro.
Essa a minha utopia. Essa a minha revolução. E, certamente, não a enxergo em nenhuma das ideologias que a história produziu até agora.
E não me venham também falar de Lula: Lula é essência do conservadorismo político, a essência da luta pelo poder, não pelas pessoas. Se o fato de um modesto trabalhador chegar ao poder fosse garantia de grandes mudanças na humanidade, Stalin teria sido fantástico!
Finalizando, é sempre bom lembrar que tudo pode piorar. Dilma pode vir substituir Lula lá. Talvez então eu venha a viver o impensável: terei saudades do Grande Idiota.