Drummond e o "Diário Reinventado"

Drummond e o "Diário Reinventado"
Essa foto registra homenagem deliciosa e delicada do prof. Luis Carlos Maciel ao meu pai, Eduardo Cisalpino. O livro que o prof. segura nas mãos e que parece "comentar" com o poeta, é o "Diário Reinventado, de Eduardo Cisalpino.. Obrigado à Magda pela foto.

Jack Kerouac

Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ODISSÉIA DE UM HOMEM COMUM - EPISÓDIO 7

UM RIO MANSO

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia

Quando procuro na alma uma imagem para meus avós maternos, vô Dago e vó Santa, vejo um pequeno rio, de águas calmas, tão calmas que mal se vê seu escoar, como se esse movimento fosse tão definitivo, tão próximo do eterno, que ele simplesmente escoa, sem pressa e quase em silêncio. Conversa baixinho, pra poder ouvir o mundo melhor.
Suas margens são protegidas por um abraço de mata, ao longo de todo curso. Imagino até uma canoa, na qual navego, como um cúmplice.
Acho que esta foi a lição fundamental que aprendi com eles, Dago e Santa: a vida é certeza. Essa certeza que constrói a calma. O rio calmo atravessa todos os terrenos. Mas nunca se perde de si mesmo. É sempre o mesmo rio calmo. Quando chega ao mar, ele se torna o mar, mas, por vezes, quando se sabe sentir, podemos ver uma manhã doce, dominada por uma leve brisa, por marolas ritmadas, e esse conjunto, somado aos pássaros, conspira uma canção ao universo: é o rio dos meus avós, ensinando sua calma ao mar.
Outro dia, estava em Porto Seguro, de papo com o Atlântico. E pude também sorrir para meus avós um sorriso de agradecimento e saudade.
Quando criança, costumava passar dias na casa dos meus avós, na Floresta. Guardo muitas lembranças dessas estadas na casa da Floresta. Não me lembro quantos anos tinha eu, mas, imagino que tivesse aí pelos 10 anos de idade, mais ou menos
Essas lembranças incluem, por exemplo: as peladas na rua; um corte no braço provocado por uma giletada; um garoto estranho, que diziam que era “doido” – autor da giletada; os jogos de bente altas com meu tio Rodolfo e os funcionários da serralheria, em frente à casa; o cheiro de solda que vinha da serralheria; um curió, e alguns canários; a varanda da casa onde havia uma famosa mesa de vidro, cujo tampo foi quebrado por meu pai, acidentalmente, num jogo de truco; um barril cheio de água, no pequeno quintal; a feira, aos domingos; o bar onde comia “pão molhado” e porções de farofa; uma lambreta; um bilboquê; colcha de fuxico.
Foi também nessa casa que tive a permissão par ver, pela primeira vez, ao seriado “Combate”. Passava tarde, para a minha idade, aí pelas 22 horas, se não me engano. Na TV Itacolomi. Em casa, não me deixavam ver. Mas, na casa dos meus avós, tanto insisti, que deixaram.
Fiquei plantado em frente à TV, preto e branco, claro. Esperando a hora de ver “Combate”. A propaganda dos cobertores Paraíba passou, mas eu não fui dormir na hora que mamãe mandava. Continuei esperando. Pra ver “Combate”.
Esperei tanto que dormi. Acordei com a musiquinha que encerrava a programação da TV Itacolomi. Poucos anos mais tarde, a mesma série passou novamente, era um grande sucesso, e eu pude ver, toda ela. E adorei. Já não me parecia tão tarde, já não era uma grande aventura proibida, mas, gostei assim mesmo. “Combate” era melhor que o “Vigilante Rodoviário”. Melhor até que “Flash Gordon” e que “Nacional Kid”.
Outro dia, baixei um episódio de “Combate” via Youtube. Dá dó, perto do que se pode fazer hoje, mas, é uma gostosa parte de mim. Curioso... acho que os seriados antigos, talvez por carência tecnológica, carregam um conteúdo humano maior. Há tempo para as pessoas, onde os efeitos são menos impressionantes.
Bom, acho que é assim em tudo, na vida.
Minha infância é pequena e calma. Comparando com as séries de TV, ela não tem grandes efeitos, grandes eventos. Mas tem suas jóias insuperáveis, inestimáveis, como o rio manso dos meus avós, as vitórias pessoais, como ver “Combate” ou vencer um campeonato de amarrar sapatos, na escola. E me pertence, como o rio da aldeia de Álvaro de Campos.