Ano agitado. O general Geisel havia anunciado a "Abertura Política" que, segundo ele, seria "lenta, gradual e segura". A oposição crescera a ponto de ameaçar a "Abertura Segura", conforme planejada pelo governo e vieram, entre 76 e 77, a Lei Falcão e o Pacote de Abril. É importante lembrar que a proposta de "Abertura" não foi unanimidade dentro do governo e entre os militares. O General Sylvio Frota, ministro do exército, se opunham frontalmente ao projeto de Geisel, e o presidente teve enfrentar também esta oposição, uma oposição interna, que levaria a uma situação perigosa, em outubro de 1977: a demissão do ministro. O general Geisel tomou o cuidado de contactar todos os oficiais generais do exército brasileiro antes de demitir o ministro, para evitar qualquer tipo de insubordinação. Nos anos seguintes, essa insatisfação de alguns setores ligados à sociedade civil e aos militares com a "Abertura" levaria, por exemplo, na tentativa de atentado a bomba no Rio-Centro
Diversos setores da sociedade civil se mobilizavam no sentido de reorganizarem suas entidades representativas, inclusive, é claro, o movimento estudantil. Desde 1976, os estudantes brasileiros promoviam encontros que tinham como objetivo recompor a UNE. Em 1976, a tentativa de recriar a direção da entidade terminou em enfrentamento com a polícia paulista, a invasão da PUC-SP, vários estudantes feridos e presos.
Mas a mobilização continuou e nova tentativa foi marcada para Belo Horizonte, em Junho de 1977. Os líderes estudantis da UFMG procuraram o reitor para saber da possibilidade de realizarem o encontro e a eleição da nova direção da entidade.
Considerando a proposta de "Abertura" e principalmente a autonomia universitária, o reitor garantiu a realização do encontro, nas dependências da UFMG, cujo centro seria o DA (Diretório Acadêmico) da Escola de Medicina da UFMG, na avenida Alfredo Balena, em Belo Horizonte.
A reitoria também solicitou urnas eleitorais ao TRE-MG que seriam disponibilizadas para que os estudantes realizassem a eleição.
Mas, a Polícia Federal, comandada pelo General Antônio Bandeira, naquele momento, não pretendia colaborar da mesma maneira. A Polícia Federal constatava que caravanas de estudantes começam a se mobilizar em diversos estados, em direção a Belo Horizonte, de ônibus. O general Bandeira entrou em contato com o coronel Ney Braga, que era ministro da educação no governo Geisel, para que este intercedesse junto ao reitor da UFMG, para que o encontro não acontecesse.
O ministro, entretanto, disse ao reitor que a decisão era dele, mas também avisou que a situação era crítica e que o general Bandeira não pretendia recuar.
Em junho de 1977, a situação era tensa em Belo Horizonte. estudantes se mobilizavam por toda a cidade para o encontro e a polícia federal, juntamente com a PMMG, procuravam evitar o mesmo.
As vias de acesso a Belo Horizonte foram reforçadas e todos os ônibus eram parados. Aqueles que traziam estudantes, de diversos estados brasileiros, eram parados e obrigados a retornar a suas cidades de origem.
Passeatas e aglomerações estudantis eram reprimidas por toda a cidade, incluindo a invasão e prisão de estudantes na Igreja São José, no centro de Belo Horizonte.
Cerca de 400 estudantes conseguiram chegar e se abrigaram dentro do DA da Medicina, na Alfredo Balena.
A confusão estava formada. O governador do estado e o general Bandeira ligavam para o reitor da UFMG e ameaçavam invadir a universidade e prender os estudantes. O general chegou a ligar para a residência do reitor e fez a ele diversas ameaças, inclusive de caráter pessoal. O reitor disse ao general que ninguém ia invadir a universidade, levantou o argumento da autonomia universitária e os novos tempos que o país vivia, com a abertura. A coisa esquentou e a conversa terminou em gritos e palavrões.
Carros suspeitos seguiam o carro oficial do reitor da UFMG para todo lado, e este tentava negociar com o governador de Minas, Aureliano Chaves, para que a PMMG não cumprisse a ordem de invadir a universidade.
A essa altura, o campus da saúde, na Alfredo Balena estava cercado pela polícia. Estudantes que ainda tentavam chegar ao local eram abordados e detidos pela polícia.
Eu estava no Colégio Arnaldo, que fica a poucos quarteirões da escola de medicina e fui até lá ver o que estava acontecendo: polícia pra todo lado, inclusive "à paisana". Todo "individuo suspeito" era parado, revistado e "convencido" a se retirar do local. Mesmo com meu uniforme do colégio, de aluno do "científico" (o Ensino Médio da época), recebi alguns olhares inquisidores e resolvi me mandar dali rapidinho e ir pra casa, uma vez que lá também poderiam precisar de mim.
As negociações entre o governador e o reitor continuavam. E os 400 alunos da UFMG permaneciam no DA. O reitor foi até o DA conversar também com os estudantes, junto com o diretor da unidade. Garantiu a eles que faria o possível para que aquilo tudo terminasse da melhor forma possível.
Finalmente, noite e madrugada adentro, o reitor e o governador entraram num acordo, e o general Bandeira teve que engolir a situação: a polícia militar não invadiria o campus de saúde, mas faria um cordão de isolamento do DA até a saída da universidade, na Alfredo Balena. A UFMG enviaria vários ônibus até o campus de saúde onde os estudantes embarcariam. Dali, seriam levados para o parque de exposições da Gameleira, onde seriam fichados pela polícia e em seguida liberados, Ninguém seria preso e não haveria confronto entre a polícia e os estudantes: este foi o máximo conseguido nas negociações, entre o reitor e o governador e este com o general Bandeira, já que o general não conversava mais com o reitor depois dos impropérios e ameaças trocadas.
Assim foi feito: os estudantes entraram nos ônibus da UFMG e foram levados para a Gameleira. Ali, assistidos por funcionários da UFMG que levavam comida e refrigerantes, além de acompanhar os estudantes na entrevista com a polícia e depois saiam com eles até a saída do parque da Gameleira até ter a certeza de que todos os estudantes seriam liberdades. Longas e longas horas de trabalho, vigília e agonia para os estudantes, para os funcionários da UFMG e para as famílias. Todas as famílias: dos estudantes e a minha família também.
Meu pai, Eduardo Osório Cisalpino, então reitor da UFMG, passou dias longe de casa, ou aparecendo por poucos momentos. Ou aparecia o Hélio, motorista da reitoria, para pegar roupas ou algum documento. Mas me lembro, claramente, da "conversa" com o general. Depois do que ouvi, pensei que ele ia ser preso ou algo ainda pior. Me lembro de ver o carro, sem placas, com quatro homens dentro, parado na esquina de casa, aguardando que o carro da reitoria saísse com meu pai.
Tempos difíceis. Mas também tempos em que o orgulho que tenho de meu pai, crescia além do que eu jamais imaginara. Hoje, quando vejo as homenagens que ele recebe na UFMG, e a forma como é tratado pelos mais antigos da universidade, percebo que essa memória ainda está viva por lá.
Beijo, meu pai.